Brasília,
Brazil
December 17, 2003
Repórter da
Agência Brasil
A
Embrapa se prepara para
iniciar o plantio de um mamão geneticamente modificado
resistente ao vírus da mancha anelar (Papaya ringspot virus,
PRS), doença que reduz a qualidade e a quantidade das frutas do
mamoeiro. É o primeiro organismo geneticamente modificado (OGM)
desenvolvido pela empresa com autorização para ser testado em
campo: a Licença de Operação para Área de Pesquisa (Loape),
documento emitido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que autoriza o plantio
controlado, foi obtida em outubro. Será também um dos primeiros
produtos a ser analisado e testado pela Rede de Biossegurança de
OGM, criada pela Embrapa em 2002, com o objetivo de capacitar
recursos humanos, e a própria instituição, nas pesquisas com
transgênicos.
No caso do mamão, diversas estratégias de controle dessa virose
já foram empregadas sem nenhum sucesso. Ainda assim, o Brasil é
líder no mercado mundial com uma produção de algo em torno de
1,70 milhão de toneladas de mamão, em 2000, o que corresponde a
pouco mais de um terço das plantas cultivadas nos demais países.
Com o mamoeiro imune ao vírus, a produtividade da planta e a
renda dos produtores poderão ser ainda maiores.
A Embrapa desenvolveu em ambiente de laboratório e casa de
vegetação pequenas mudas de mamoeiro nas quais foram
introduzidos genes resistentes ao vírus. Os testes preliminares
revelaram que as plantas têm imunidade à mancha anelar. Agora,
com a autorização do Ibama, o mamão transgênico terá seu
desempenho avaliado em campo, mais precisamente em Cruz das
Almas, na Bahia, numa área vigiada 24 horas por dia, protegida
por cerca eletrificada, e acompanhado de rígido protocolo de
biossegurança. "Se houver algum problema, teremos como
controlar", diz Deise Maria Fontana Capalbo, pesquisadora da
Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna (SP).
Em Cruz das Almas, os pesquisadores avaliarão a influência do
mamão transgênico sobre o conjunto de organismos do solo, assim
como a qualidade e as propriedades da folha e da fruta. "No
primeiro ano, testaremos a resistência da planta às condições do
solo e, no segundo, as condições de campo propriamente ditas",
explica Deise Capalbo. Os riscos de que o OGM contamine cultivos
do mamão convencional em áreas próximas são baixos, já que a
fruta não tem pólen e, por isso, não há possibilidade de escape
gênico para outros cultivares, ela argumenta. "É como se a
planta tivesse sido vacinada, e a capa do vírus não se expressa
na parte reprodutiva", detalha.
No entanto, é fundamental avaliar seu impacto em outros
organismos e no ecossistema. Quando se aplica um inseticida para
matar o pulgão, transmissor do vírus da mancha anelar, por
exemplo, há o risco de o produto matar também alguns insetos que
rondam o mamoeiro, denominados pelos especialistas como
organismos não-alvo. "Vamos avaliar, no caso do mamão, se o
inseto que ronda o mamoeiro será ou não afetado. É preciso levar
em conta a relação custo/benefício e verificar se o risco de
afetar o inseto compensa", pondera Deise. "Se não houver
comprometimento da função - e não apenas do número de indivíduos
naquele ecossistema -, talvez seja possível conviver com uma
situação de algumas perdas dos organismos não-alvo", justifica.
Os pesquisadores também investigarão a segurança alimentar da
fruta geneticamente modificada. Será realizada uma série de
testes e ensaios - como o de equivalência substancial (ES),
características moleculares e agronômicas do produto, entre
outros - para avaliar as qualidades nutricionais da planta e
compará-las com as do mamão convencional. "Se as duas plantas
não tiverem propriedades e características idênticas, é preciso
reavaliar o projeto", afirma Deise.
Rede de segurança
A avaliação do impacto sobre o meio ambiente e a segurança
alimentar do OGM seguirão regras da Lei de Biossegurança,
orientações do Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), padrões internacionais e protocolos desenvolvidos pela
própria Embrapa. Todo esse trabalho será acompanhado e analisado
pela Rede de Biossegurança da Embrapa. O trabalho em rede tem a
vantagem de padronizar a comunicação entre os pesquisadores,
permitir a revisão rápida de procedimentos e análises,
incorporar novos dados à investigação, além de ampliar
significativamente o contato com iniciativas científicas
internacionais semelhantes.
"A nossa preocupação é dar respostas a questões de fundo sobre
OGMs", diz. Integram a rede 120 pesquisadores vinculados a 12
dos 40 centros de pesquisa da empresa, além de cinco
universidades: as federais de Minas Gerais (UFMG), Rio de
Janeiro (UFRJ), Fluminense (UFF), Viçosa (UFV) e a da Bahia
(UFBA), além das universidades de Brasília (UnB), de Feira de
Santana (UFS), Estadual de Campinas (Unicamp) e Estadual Júlio
de Mesquita Filho (Unesp), em Jaboticabal. Para financiar a Rede
de Biossegurança, a Embrapa buscou recursos junto à Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep). O projeto está orçado em R$ 9
milhões, que serão investidos ao longo de quatro anos, afirma
Deise Capalbo, uma das coordenadoras do projeto. O projeto da
rede foi concebido há quatro anos, na mesma época em que a
CTNBio autorizou a comercialização da soja Roundup Ready, da
Monsanto.
A Embrapa, na época, acelerava o desenvolvimento de pesquisa em
laboratórios com plantas resistentes a insetos e herbicidas
químicos, e a decisão da CTNBio abria perspectivas para futura
comercialização. A rede foi aprovada e começou a funcionar em
meados de 2002. O primeiro passo foi selecionar os produtos que
seriam avaliados, começando por aqueles que estivessem mais
próximos da comercialização. Foram escolhidos, além do mamão,
também o feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, a batata
resistente ao vírus Y e o algodão Bt resistente a insetos. Numa
segunda etapa, foram identificados os laboratórios que deveriam
integrar a rede.
Não existe no país nenhuma variedade de feijão com imunidade ao
mosaico dourado (BGMV em Phaseolus sp.), o que coloca para os
pesquisadores o desafio de buscar alternativas para o produtor.
Estudos iniciais em condições controladas indicaram que a
modificação genética desenvolvida por pesquisadores da Embrapa
tem potencial para resolver o problema. No caso da batata, e por
meio da tecnologia do DNA recombinante, os pesquisadores
obtiveram um clone da cultivar Achat transformada com o gene
CP-PVY (capa protéica do Potato vírus Y), com alta resistência à
doença que degenera o tubérculo. Como a Achat já apresenta alta
tolerância ao Potato Leaf Roll Virus (PLRV), a combinação com a
resistência ao PVY permitirá aos produtores manter alta a
produtividade, supõem os pesquisadores.
Eles não esperam impactos ambientais negativos por fluxo gênico
(transferência de genes de uma planta para outra), uma vez que a
batata geneticamente modificada não floresce.
Como
o gene inserido codifica uma proteína que já é largamente
consumida em tubérculos naturalmente infectados por vírus, é
muito provável que também não ocorram problemas derivados de seu
consumo por seres humanos ou animais.
As pesquisas com o algodão estão em estágio inicial. A Embrapa
ainda não tem pronta a planta modificada com o gene do
Bacillus thuringiensis (Bt) que, espera-se, a tornará
resistente ao ataque da lagarta ou bicudo. "Já conhecemos o
gene, mas temos que introduzi-lo na planta para obter pequenas
mudas, antes de confirmar se o algodão é resistente", diz Deise.
Mas, no caso do algodão, existe grande preocupação em relação à
segurança deste transgênico para os seres humanos e organismos
não-alvo, no jargão dos pesquisadores.
"O algodão poliniza e, por isso, há a possibilidade de escape
gênico e fluxo gênico via solo ou pólen", ressalva Deise. Este
problema pode ser particularmente grave no Brasil, país onde
existem plantas de algodão nativas. Por isso, antes de levar o
plantio a campo, é preciso definir a área em que se pode plantar
sem riscos para as variedades autóctones da planta. "Temos que
fazer mapeamento de áreas onde há plantas não transgênicas ou
variedades representativas, que têm que ser preservadas", ela
afirma. Mais que isso: é preciso estudar o hábito dos insetos, a
distância que eles são capazes de percorrer e até as condições
de manejo agrícola. "Já iniciamos estudos com a abelha, inseto
polinizador do algodão", ela adianta.
Banco de dados do feijão
Os 120 pesquisadores da Rede acompanharão a evolução e a análise
do cultivo do mamão em Cruz das Almas e o desenvolvimento das
pesquisas com a batata, o feijão e o algodão geneticamente
modificados. No caso da segurança alimentar, a primeira
iniciativa é criar um banco de dados com informações detalhadas
sobre variedades convencionais das plantas modificadas, de
acordo com Edson Watanabe, pesquisador da Embrapa Agroindústria
de Alimentos.
A verificação da equivalência substancial do produto
geneticamente modificado em relação ao seu análogo convencional
constitui um dos primeiros passos da avaliação de segurança
alimentar de um OGM. "A expectativa é de que o OGM seja
equivalente e tão seguro quanto seu análogo convencional",
explica Watanabe. Inicialmente, estuda-se a composição
centesimal do transgênico - proteínas, lipídios, carbohidratos
etc - e os componentes-chave dos alimentos.
No caso da soja, esse componente é, pelo menos até o momento, a
isoflavona. "Mas com o mamão é diferente", ressalva Watanabe,
lembrando que não existe um modelo único de análise que deva ser
determinado caso a caso. Nas comparações entre os dois produtos,
é possível recorrer a bancos de dados internacionais, mas, para
a análise de plantas brasileiras, é preciso desenvolver
protocolos nacionais. A Embrapa Agroindústria de Alimentos, por
exemplo, já começou a criar um banco de dados com informações
sobre as diversas variedades defeijão convencional cultivadas em
território nacional.
Os testes de segurança incluem, ainda, os exames de toxicidade.
No caso da soja e do milho - dois tipos de grãos normalmente
utilizados como base para a ração animal -, a metodologia usada
para a avaliação de segurança alimentar de produtos
transgênicos, já aprovada nos Estados Unidos, é gavagem
(alimentação via oral) aguda em camundongos, realizada por meio
da injeção da proteína expressa pelo novo gene diretamente no
estômago de ratos. Noutro tipo de exame, os ratos são
alimentados durante 90 dias com rações produzidas a partir de
grãos transgênicos e avaliados pela equipe de pesquisadores.
"Existem outras propostas que, entretanto, não são validadas",
observa Watanabe.
É preciso ainda verificar a possibilidade de o produto
transgênico provocar alergia. A bioinformática permite obter
informações sobre a seqüência de aminoácidos da proteína
expressa, comparando-a com as de bancos de dados internacionais
de proteínas, inclusive as alergênicas. "Mede-se, ainda, a
digestão pela pepsina (enzima digestiva produzida pelo
estômogo), já que as proteínas alergênicas são mais resistentes
à digestão", diz. Quando se tratar de alimentos processados -
como o óleo e a farinha de soja, por exemplo -, é necessário
avaliar o desempenho do produto ao longo de todo o processo de
industrialização. E, no caso de ração, é avaliado o desempenho
do animal alimentado com o produto.
A verificação da equivalência substancial também inclui estudos
como a caracterização molecular e a caracterização agronômica do
produto, para se observar tamanho e rendimento das plantas. "É
preciso conhecer quantas cópias de plasmídeo foram inseridas na
planta, onde essas cópias foram inseridas e se a modificação
genética é estável, entre outros fatores", exemplifica Watanabe.
Boas práticas
Além da Rede de Biossegurança, a Embrapa investe no
credenciamento de seus laboratórios de pesquisa com
transgênicos. Ainda este mês, a unidade Agroindústria de
Alimentos, no Rio de Janeiro, deve apresentar ao Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
(Inmetro) os documentos necessários para o credenciamento ISO
17025 de qualidade em análises laboratoriais. Em 2004, "se os
transgênicos chegarem à Embrapa Agroindústria de Alimentos, será
solicitado também ao Inmetro o credenciamento em Boas Práticas
de Laboratórios (BPL)", de acordo com Rosemar Antoniassi,
supervisora do Sistema de Qualidade da Embrapa. A partir de
1998, foram realizadas reformas de infra-estrutura e adquiridos
equipamentos para ampliar a capacidade de análise dentro dos
padrões de BPL.
"Estamos investindo no armazenamento e descarte. O importante em
BPL é adotar procedimentos para documentação e para registros da
pesquisa em segurança alimentar e ambiental", sublinha. "Todos
os passos da pesquisa devem ser relatados", observa Rosemar.
Para isso, foram realizados treinamentos envolvendo
pesquisadores das várias áreas. O credenciamento é solicitado
caso a caso, para cada um dos OGMs a serem avaliados pela
Embrapa, e é conferido depois de cuidadosa auditoria do Inmetro.
(Pesquisa Fapesp) |